CIDADE GARBOSA |
O
Município de São João Nepomuceno:
Histórico
Antonio Henrique Duarte Lacerda
Diretor da Divisão de Arquivo
Histórico de Juiz de Fora
Cláudio Heleno Machado
Professor de História da Escola
Estadual Gabriel Arcanjo de Mendonça
Os primeiros habitantes a se fixarem na região
que deu origem a São João Nepomuceno remontam, provavelmente, ao final do
século XVIII, constituindo-se de população oriunda da região central e
mineradora da capitania, então em avançado processo de crise e decadência
econômica advinda do esgotamento da exploração dos minerais. A estes pioneiros
interessava, portanto, assegurar a posse de terras nas áreas ainda não oficialmente ocupadas.
Já no início do século XIX
podem ser identificadas as primeiras propriedades organizadas, como a fazenda
da Roça Grande, cujo proprietário, José
Antônio Furtado de Mendonça, era
também Guarda-Mor da Intendência das Minas, competindo-lhe a fiscalização da
exploração mineral na capitania,
fazendo-se observar e cumprir o seu respectivo regimento, além de também dar
procedimento à repartição das datas de lavra entre os exploradores. Outros
proprietários que merecem destaque já neste momento são Antônio Dutra Nicácio, com sua fazenda do Ribeirão e Domingos Henriques de Gusmão, cuja
família teria, pela devoção a São João Nepomuceno, contribuído para que o
referido santo se tornasse o padroeiro local e se configurasse como o próprio
topônimo[1].
Tradicionalmente, estes proprietários, aparentados entre si e oriundos de
Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), além de Domingos Ferreira Marques, são dados como os quatro pioneiros e
fundadores da localidade que teria surgido ao redor da construção designada
como “Capela de Baixo” ou “Capela do Rio Novo de Baixo”, em oposição
à “Capela de Cima”, existente do outro
lado deste rio tomado por referência, no povoado vizinho de Conceição do Rio
Novo. A referida capela e as casas erguidas pelos mencionados pioneiros, para poderem se abrigar durante os festejos
religiosos, foi o núcleo original da atual cidade de São João Nepomuceno, tendo
o mesmo se constituído pelos idos de 1811[2].
Com a criação do primeiro termo[3]
da Zona da Mata em 25 de agosto de 1832, com a elevação da Freguesia de São Manuel do Pomba à categoria de vila,
desmembrado do Termo de Mariana, o antigo curato da “Capela de Baixo” é incorporado ao novo termo
com a denominação de São João Nepomuceno do Rio Novo[4].
Judicialmente, figurava então o novo Termo do Rio Pomba na Comarca do Rio
Paraibuna, juntamente com os termos de Baependi e, como sede, o de Barbacena.
Ressalte-se que neste período a denominação São João Nepomuceno do Rio Novo não
significa nenhuma subordinação deste em relação à Conceição do Rio Novo (atual
Rio Novo), mas sim uma referência ao rio que banha as duas freguesias, ambas
então pertencentes ao Termo do Rio Pomba[5].
Em
1841, a Lei Provincial de n° 202,
datada de 1 de abril , em seu artigo 1°,
parágrafo 4°,
criou o Termo de São João Nepomuceno, elevando a antiga freguesia à categoria de vila, desmembrada do Termo do Rio Pomba. A mesma
lei, em seu artigo 3°, deu nova configuração
também à Comarca do Rio Paraibuna, passando a mesma a abranger os termos de Rio
Pomba, São João Nepomuceno, São João Batista do Presídio (atual Visconde do Rio
Branco) e Barbacena, mantido como sede. Compunha-se então o novo termo de São
João Nepomuceno, o segundo a ser criado na Zona da Mata, além de sua freguesia sede, das de Conceição do
Rio Novo, de Santíssima Trindade do Descoberto (atual Descoberto), de Santo
Antônio do Porto (atual Astolfo Dutra) e mais os distritos de Rio Pardo (atual
Argirita), de Espírito Santo (atual Guarará), do Cágado (atual Mar de Espanha),
de São José d ‘Além Paraíba (atual Além
Paraíba), de Madre de Deus do Angu
(atual Angustura) e do Feijão Cru (atual Leopoldina)[6].
Ressalte-se, pois, a enorme abrangência
territorial do Termo de São João Nepomuceno quando de sua primeira criação em
1841, considerando-se a área da região tradicionalmente conhecida por Zona da
Mata. Destaque-se também que importantes termos ou municípios criados posteriormente
não passam, neste momento, de meros distritos que ainda não configuravam sequer
uma freguesia.
Aqui cabem algumas considerações a respeito da
organização administrativa e eclesiástica no período imperial, herança da
colonização portuguesa. As duas instâncias, pela ligação oficial existente
entre o Estado e a Igreja, interpenetravam-se. Dessa forma, todo termo ou
município tinha por sua sede uma vila que, dependendo de seu desenvolvimento ou
dos interesses em conferir-lhe uma dignidade maior, poderia receber também a
titulação de cidade, o que originariamente só era concedido a uma sede de
bispado. Ocorre que, eclesiasticamente, toda sede de termo ou município
constituía-se também numa freguesia, assim como todas as suas outras
localidades que possuíssem pelo menos uma paróquia que agregasse uma população
que justificasse recebimento do referido
“status”. Logo, os termos ou municípios eram divididos tanto
administrativa quanto eclesiasticamente em freguesias. A denominação distrito
era designativa de população esparsa e que, embora já pudessem ter erigido uma
capela, não agregavam ainda condições para que fossem elevados à categoria de
freguesia. Distritos, portanto, valendo-se de critérios demográficos, não raramente
também definidos politicamente, eram equivalentes a lugares ainda considerados
termos ou não totalmente agregados a um núcleo, subordinados, necessariamente,
a uma freguesia.
Em 16 de agosto de 1842, após a realização das
primeiras eleições, instalou-se a Câmara Municipal em São João Nepomuceno.
Coube ao antigo Ouvidor-Geral em Barbacena, Antônio José Monteiro de Barros,
residente no distrito ou região do Feijão Cru, a condução dos trabalhos de
instalação e presidência desta primeira Câmara, na condição de ter sido o seu
vereador mais votado. Funcionou a Câmara ininterruptamente até 1851,
assegurando a autonomia municipal de São João Nepomuceno, quando nova Lei
Provincial, de n°504, datada de 10 de
setembro deste ano, criou o Termo de Mar de Espanha, elevando à categoria de
vila o arraial de Cágado, desde 1841 e até então um dos distritos do anterior
Termo de São João Nepomuceno, transformado agora em freguesia daquele novo termo
criado. Tal medida pode ser atribuída a questões políticas relacionadas às
disputas eleitorais entre os partidos Conservador e Liberal. Os conservadores,
formando o gabinete à época, teriam suprimido o Termo de São João Nepomuceno em
represália às lideranças liberais locais, assegurando que o resultado das
eleições os mantivesse no poder[7]
Novamente cabem outras considerações, agora a
respeito do dito parlamentarismo praticado no período imperial. Contrariamente
ao parlamentarismo de origem britânica, onde o governo ou gabinete é formado a
partir da maioria que se consolida pelo resultado das eleições, no Brasil, a
existência do Poder Moderador determinava que o imperador nomeasse primeiro o
presidente do Conselho de Ministros de Estado e este os seus demais membros. Só
depois, então, realizavam-se as eleições, configurando-se o que se denominou de
“parlamentarismo às avessas”. Os processos eleitorais eram marcados tanto pelas
fraudes quanto pela violência, sempre com o objetivo de assegurar a vitória e a
consolidação da maioria pelo partido que já estivesse formando o gabinete.
Neste sentido, faziam-se, necessariamente, constantes revisões ou
reestruturações dos distritos eleitorais, nem sempre respeitando as
delimitações dos termos ou municípios. Diminuía-se ou aumentava-se a
importância ou a representatividade destes últimos, sempre de acordo com o
engajamento das lideranças locais e com os interesses do partido governista
vencer as eleições e alcançar e garantir a maioria.
A primeira supressão da municipalidade
são-joanense, em 1851, como já mencionamos, estabelecendo sua subordinação ao
então criado termo ou município de Mar de Espanha ainda se fez seguir, pouco
depois, de sua supressão também como freguesia. Outra Lei Provincial, de n° 542 e datada de 9 de outubro de 1851,
transformou São João Nepomuceno em curato e subordinou-o à freguesia de
Conceição do Rio Novo, também pertencente ao município de Mar de Espanha[8].
Só em 1859, outra Lei Provincial, de n° 1.033 e datada de 6 de
julho, restabeleceu a São João Nepomuceno o
“status” de freguesia, mantendo-a ainda como parte do município de Mar
de Espanha[9].
Em 1868, com os conservadores novamente no poder, após o interregno
representado pelo governo liberal desde 1863, é a vez dos primeiros promoverem
agora a emancipação de São João Nepomuceno por Lei Provincial de n° 1.606 e datada de 28 de julho, caracterizando,
portanto, a segunda criação deste município[10].
Desta vez, a área do novo município era bem mais reduzida do que em relação a
sua criação original em 1841, abrangendo ainda, além da freguesia composta pela
vila de São João Nepomuceno, a de Conceição do Rio Novo e os curatos ou
distritos de Santíssima Trindade do Descoberto e de Piau, por sua vez
desmembrado do Município de Juiz de Fora[11].
Sobre esta segunda emancipação estabeleceremos
alguma divergência com o que tradicionalmente tem sido colocado pelos autores
que citamos até agora. Reconhecemos o seu valoroso trabalho e preciosas
contribuições realizadas para recuperação da história do Município de São João
Nepomuceno, mas pudemos dispor de uma fonte documental que talvez não estivesse
disponível para os mesmos durante suas pesquisas, o que passamos a incorporar e
nos propomos a divulgá-la para melhor elucidar a segunda criação do referido
município.
Durante o período imperial, por razões políticas
e eleitorais que anteriormente já abordamos, as criações, supressões e novos
arranjos da composição de termos ou municípios eram constantes. Houve mesmo
situações em que o curto tempo entre a criação e a supressão de determinados
municípios sequer permitiu sua instalação e funcionamento, existindo os mesmos
apenas no corpo das leis que os criaram. Injunções políticas também atuaram,
noutros casos, retardando ao máximo a instalação de municípios criados, para só
então, depois, quando fosse mais seguro ou conveniente, suprimi-los ou
subordiná-los aos interesses que naquele momento se constituíssem em
majoritários. Mas, a supressão de São João Nepomuceno em 1870, pela Lei
Provincial n° 1.644, de 13 de novembro[12]
e, portanto, pouco mais de dois anos após a sua segunda criação, não parece ter
sido motivada pelas situações que acabamos de expor. Contrariamente ao que
tradicionalmente vinha se afirmando, a Câmara Municipal de São João Nepomuceno
deste período foi eleita e instalada, tendo ainda funcionado, conforme pudemos
apurar pela existência de correspondência estabelecida com a Câmara Municipal
de Juiz de Fora.
Na verdade, na referida correspondência, o
Procurador da Câmara Municipal da Cidade de Juiz de Fora solicita informações à
Câmara Municipal da Vila de São João Nepomuceno a respeito de quando a mesma
fora instalada ou qual o dia de posse dos vereadores eleitos, além de quando
foram aprovadas e publicadas suas posturas, dentre algumas outras questões. O
detalhe importante é que tal pedido de informações é datado de 8 de maio de
1871. A resposta, no verso do próprio ofício, é ainda mais surpreendente. O
Secretário da Câmara são-joanense, Augusto Clementino Coelho, responde:
Certifico que em virtude da petição retro e seu despacho passando
a rever o Livro de posse e juramento dos Camaristas,e mais impregados (sic) d
‘esta Mucipalidade, d ‘elle consta a folha suma (sic) que esta Villa foi
installada no dia quatro de junho do anno próximo passado pelo Presidente e
Secretario da Câmara Municipal do Mar de Hespanha (sic), tomando posse e
prestando juramento o Prezidente (sic) desta Câmara e mais Vereadores. Consta
mais do Livro das actas das Sessões que na Sessão Ordinária de doze de julho do
mesmo anno foi adoptada (sic) as Posturas da Câmara do Mar de Hespanha (sic)
para servirem neste Município, ordenando-se aos Fiscaes dos Districtos para por
ellas se regerem. Mais consta do mesmo Livro, que essa adopção foi approvada
pelo Exmo. Presidente da Província por Portaria de três de Agosto do mesmo
anno, e publicada neste Município por Editaes da Câmara. (...) Villa de São
João Nepomuceno 9 de Maio de 1871[13].
É fato, entretanto, que a referida Lei de 13 de novembro de 1870 suprimiu o
município de São João Nepomuceno, subordinando-o, como freguesia, ao novo
município criado de Rio Novo. Mas, também
é fato que a Câmara são-joanense foi instalada após sua segunda criação
e encontrava-se funcionando em um período em que, oficialmente, já estava
extinta. A explicação que podemos oferecer é que, provavelmente, a referida
Câmara só foi definitivamente suprimida quando ocorreu a instalação solene da
nova Câmara Municipal de Rio Novo. Devido à morosidade dos rituais
administrativos, a instalação desta última deve ter se realizado posteriormente
a data do documento transcrito acima.
Só em 1880 é que São João Nepomuceno adquiriria
em caráter definitivo a condição de município que mantém até os dias atuais,
através da Lei Provincial n° 2.677, datada de 30 de
novembro. Compunha-se este terceiro Município de São João Nepomuceno das
freguesias de sua vila e de Santíssima Trindade do Descoberto, além do distrito
ou curato de Santa Bárbara (atual distrito de Carlos Alves) e da paróquia de Dores
de Monte Alegre (atual distrito de Taruaçu),
por sua vez desmembrada do Município de Mar de Espanha. Outra Lei
Provincial, de n° 2.848 e datada de 25 de
outubro elevou a vila sede do município à categoria de cidade e, já no período
republicano, a Lei Estadual n° 11, de 13 de novembro de
1891 criou a Comarca de São João
Nepomuceno.
(1) MEDINA, Paulo
Roberto de Gouvêa. São João Nepomuceno:
o município, sua criação, seus vultos históricos. Juiz de Fora : UFJF, 1980. p.
3.
(2) Idem, p. 4.
(3) A denominação município só passa a ser utilizada a
partir de meados do século passado, simultaneamente com a sua equivalente (termo) e substituindo-a, por completo,
com o passar do tempo.
(4) MEDINA, Paulo
Roberto de Gouvêa. op. cit., p. 5.
(5) SANTIAGO,
Sinval Batista. O município de São João Nepomuceno. In: Voz de São João. 28/05 e 04/06/67.
(6) Idem.
(7) MEDINA, Paulo
Roberto de Gouvêa. loc. cit.
(8) Idem, loc. cit.
(9) SANTIAGO,
Sinval Batista. loc. cit.
(10) MEDINA, Paulo
Roberto de Gouvêa. loc. cit.
(11) SANTIAGO,
Sinval Batista. loc. cit.
(12) MEDINA, Paulo
Roberto de Gouvêa. op. cit., p. 5-6. SANTIAGO, Sinval Batista. loc. cit.
(13) ARQUIVO
HISTÓRICO DA CIDADE DE JUIZ DE FORA. Fundo Câmara Municipal no Império, Série
119, 08/05/1871.
encontrei vosso blog . muito interessante; se todas as cidades tivessem uma cronica similar!!
ResponderExcluiracabei de postar homenageando svatého Jan Nepomucky dia 16.5
meu blog:
http://tulacampos.blogspot.com.br/
cordiais saudações