Bem constantes eram as questiúnculas, no século
passado, entre os poderes temporal e espiritual, em nossa terra. A
interferência indébita de um poder no outro resultava, quase sempre, em lutas
surdas, em dissabores, e, via de conseqüência, na remoção de vigários desta
para outra freguesia.
Havia, no século XIX, um verdadeiro mal-estar
entre Igreja e Poder Público, que melhor se poderia chamar de problema: Igreja
versus Política Municipal.
Por outro lado, o trabalho apostolar era bem
intenso, tão intenso mesmo que os vigários necessitavam, quase sempre, de um
coadjutor para os auxiliar no pastoreio de seu rebanho. Foi assim que, sentindo
o peso do trabalho que recaia sobre os ombros do já quase octogenário Cônego
Joaquim dos Reis Menezes, cujo estado de saúde inspirava os mais sérios
cuidados, que o Bispado de Mariana houve por bem enviar para São João o
reverendíssimo padre Francisco Rodrigues Condé, já bem avançado em anos.
Era o Padre Condé natural da cidade do Pomba,
onde nascera em junho de 1834, tendo sido ordenado em 17 de julho de 1870, na
Quinta da Cartuxa, por Dom Antônio Ferreira Viçoso, que assim concedia a
dignidade sacerdotal ao ducentésimo vigésimo oitavo padre, durante o seu
episcopado. Algum tempo após sua chegada a esta cidade, falecia o Cônego Reis.
Era o ano de 1888.
Mal chegado, sentiu ele a necessidade de se
ampliar o campo santo, que se achava situado atrás do campo do Mangueira F.C. E
foi assim que, já em 22 de agosto de 1888, benzia o acréscimo feito ao chamado
Cemitério Velho, aumentando, deste modo, a capacidade para os enterramentos.
Sua atividade, durante o período da epidemia que
assolou esta cidade em 1895, foi algo extraordinário. Aliando-se a Carlos
Alves, era visto dia e noite a percorrer as ruas de nossa cidade, a
dar não só assistência espiritual, mas também material aos nossos munícipes. E
nessa faina prosseguiu anos a fio. Em 1900 seu organismo já estava combalido.
Do fato fez ciência aos seus superiores. Foi por causa disso que, em 26 de
março de 1900, aqui chegava o Revmo. Padre Francisco Del Gaudio, vindo de
Maripá, para coadjuvar. Segue Padre Condé para Barbacena, em busca de melhoras
para seu estado de saúde. Notícias, meses depois, correm pela cidade anunciando
a sua renúncia ao vicariato. A imprensa local lamenta sua ausência e ressalta
seu trabalho: “Em fins de 1895 e princípios de 1896, quando esta cidade graçou
pela primeira vez a febre amarela, foi o Padre Condé, embora curvado pelos
anos, um dos soldados, que ao lado do Dr. Alves, não abandonou o campo de
batalha, cuja vitória nos custou o luto, a dor e a orfandade”. Entretanto, a 21
de julho retornava ele a seus afazeres apostólicos, dos quais só se vinha a
afastar com a sua morte, ocorrida após os mais atrozes padecimentos, em 23 de
agosto de 1908. Seu corpo foi dado à sepultura na própria Igreja Matriz de
nossa cidade, o que não era vedado, pois, como se sabe, somente depois da
promulgação do Código de Direito Canônico foram definitivamente proibidos os
enterramentos nas igrejas.
Pouco se conhece hoje sobre a vida e a obra do
Padre Condé. Podemos, no entanto, afirmar que, entre os seus traços
característicos, estavam a tolerância, que era levada ao extremo, o espírito de
justiça e bondade. Nossa afirmativa não é graciosa. Colhemo-la na imprensa
local, em noticiário de seu passamento. Releva notar, no entanto, que o redator
do jornal, de então, era antes de tudo e acima de tudo um anticlerical. E entre
os períodos da notícia de seu passamento podemos encontrar a afirmação de que,
como sacerdote “ninguém jamais excederá em virtudes cristãs o extinto Ministro
do Nazareno”, cuja figura se exaltava “devido à sua bondade e a seu afastamento
rigoroso de todas as questões políticas ou particulares”. Foi o Padre Condé “um
dos que mais ilustram o cargo que desempenham”, “respeitabilíssimo”, e de “uma
simplicidade de costumes”.
Há um ponto, na vida de Padre Condé, que não
desejamos omitir. Foi o seu trabalho junto aos poderes públicos para que lhe
fossem entregues os terrenos “que sempre constituíram um patrimônio da Igreja!”
Trata-se de uma antiga questão entre a Igreja e o Poder Público Municipal
local. Enquanto aquela assegura que os terrenos da cidade pertencem ao
“Patrimônio Petri”, o último afirma que não existe prova dominial nesse
sentido.
Como homenagem a esse grande vulto de nosso
passado, houve por bem o Prefeito Agenor Henriques Soares, através da lei nº
23, de 3 de julho de 1937, denominar de Travessa Padre Condé a rua que demanda
o município de Descoberto.
"Há na força do passado a alegria e o
consolo das ressurreições."
(Texto de autoria do Dr. José de Castro
Azevedo, lido em 1964, nos microfones da ZYV-39).
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