Quem se propuser a estudar a vida da cidade de São João Nepomuceno
encontrará, em determinado momento, um vulto que, à proporção que vai sendo
analisado, irá crescendo à vista do pesquisador. É o doutor Antônio
Justiniano Fortes Bustamante.
O papel que aquele eminente médico representou, no combate às epidemias que
aqui graçaram, ao lado de um trabalho de medicina preventiva de real proveito,
é algo de admirável, de sobre-humano. Ombreia-se com Carlos Alves e outros
vultos históricos. Seu nome tem sido, no entanto, relegado a plano secundário,
quando em verdade, está na primeira linha dos benfeitores são-joanenses.
Quem ler os seus relatórios, compulsando a coleção de "O
Município", jornal de então, sentirá, em toda sua grandeza, a enormidade
de Fortes Bustamante.
Não era do nosso São João, mas sim do ‘Del Rei', onde nascera em 1837.
Diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1865. Clinicou
cerca de 25 anos na vizinha cidade de Rio Novo, onde ocupou cargos eletivos,
com projeção. Em 1895 já estava em São João Nepomuceno
exercendo, posteriormente, o cargo de suplente de juiz federal, de médico da
Polícia e médico da Higiene, função criada pela Câmara Municipal para
atendimento dos necessitados e para vacinação preventiva.
Mal chegado aqui irrompe a epidemia de febre amarela, dizimando vidas
preciosas. Vê cair Carlos Del-Vecchio, médico ilustre. E dr. José Augusto
Gomide que segue o mesmo destino. Depois é o grande Carlos Alves, que ainda
"queria escrever a história, triste e lúgrube desta luta, que muito me tem
servido para bem estudar a humanidade, que não supus tão pequena e tão
egoísta". Um a um dos companheiros cai. E fica ele de pé a contar com umas
poucas mãos de apóstolos, que o auxiliaram em sua sacrossanta missão. São dois
anos de luta para afastar a morte e permitir a vida. E foi dessa época que lhe
veio o apelido de ‘Médico da Pobreza', porque não via ele
diferença entre os males dos nababos e os dos míseros indigentes que batiam à sua
porta.
Cessada a hecatombe, ele não descansa. Põe em prática seus conhecimentos de
medicina preventiva para que novas epidemias não voltassem a assolar esta
terra, numa antevisão quase divina. Nem todos, porém, o ouvem. Nem todos querer
seguir seus conselhos, tal como acontecia a Oswaldo Cruz. E de novo, em 1900,
ressurge a febre amarela. Quatrocentos domicílios são visitados em São João, Descoberto e
Rochedo. Ilustre colega contribui para que a moléstia se propague, porque não
crê no quadro mórbido que se apresenta. Não cria fossem amarelentos os seus
enfermos. Mas, infelizmente, certo estava Fortes Bustamante. A moléstia se
propaga. Ficam a seu encargo 262 febrentos. Perde somente 14, vale dizer, pouco
mais de 5% de doentes. A epidemia passa e os louros cobrem a fronte do já
sexagenário médico.
Seu destino era, no entanto, lutar. Consegue, temeroso de novos males, o
"trancamento do cemitério velho", para se usar uma expressão sua.
Passam os sepultamentos a ser feitos no Cemitério Novo, local por ele estudado
e que, à época, representava o ideal para a cidade. Mas, poucos anos são
passados e uma nova epidemia surge. Agora é a varíola que dizima. Estamos em
1904. Sua atividade foi espantosa, como está a registrar a crônica da época.
Sacrifica-se Fortes Bustamante em todos os terrenos para que o mal não
prossiga. Luta dia e noite. É médico e enfermeiro. Sua saúde nada vale em
comparação com a de seus semelhantes. Num gesto de nobreza, cede seu sítio e o
transforma em isolamento dos doentes.
Foi assim, a vida de doutor Fortes Bustamante. Viveu por um ideal: a vida de
seu próximo.
Quando em 12 de agosto de 1915 levaram seu corpo inerte para a sua última
morada, no Cemitério Municipal, onde lá repousa, São João toda chorava!
Pela resolução nº 23, de 7 de outubro de 1937, assinada pelo Prefeito Agenor
Henriques Soares, foi o seu nome dado à rua aberta e que liga a Coronel José
Dutra à Avenida Zeca Henriques.
"Há na força do passado a alegria e o consolo das
ressurreições."
(Texto de autoria do Dr. José de Castro Azevedo, lido em 1964, nos
microfones da ZYV-39).